quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A partida

Nos melhores dias com ele eu sonhava que estava mais do que feliz, não saberia dizer o real sentimento que tomava conta de mim. Naqueles minutos maravilhosos que passávamos juntos, seu olhar era amigo e me passava confiança, coisa difícil nos dias de hoje. Quem realmente confia em alguém ?
Mais do que confiar é dividir e isso sim é fruto de uma construção interna de reabilitação com a convivência humana, por mais que pensasse que eles são inferiores a mim, não os via assim, porque cada segundo de vida que tenho penso em fazer o bem, não importa se acreditam em mim ou não, não faço para impressionar quem está ao meu lado.
Meus problemas começaram depois de dez anos vivendo juntos. Ele não falava e sendo assim, eu tentava adivinhar o que se passava naquela cabeça, que horas se comunicava, horas me deixava no ar com a possibilidade de estar pensando qualquer coisa.
Mas naquela manhã de inverno, ele nem sequer levantou do sofá, lugar que ele adorava. Chamei para comer, ele comia pouco , uma vez por dia no máximo, mas nem sinal, meu companheiro de dez anos não me via e nem me ouvia mais. Uma tristeza tomou conta de mim, pressenti que ele estava me deixando, um frio na barriga me provocou lágrimas nos olhos, uma sensação de vazio na alma, uma vontade de gritar para o mundo: “não me deixe aqui sozinha”. Mas o mundo e seus problemas não iriam me dar bola, não como ele me dava.
Sempre que chegava em casa cansada das horas intermináveis de trabalho, dia após dia trabalhando , sem nenhuma vontade de estar naquele ambiente de trabalho machista e vulgar, onde cada um cuida só do seu rabo e nem imaginam que sofremos e que temos problemas . Minha única alegria era voltar para casa e ser recebida com amor de alguém que realmente se preocupava comigo. Seu carinho era o meu eterno conforto. Não havia espaço para ciúmes, toda vez que conhecia alguém legal que pudesse haver algum interesse, ele se mostrava agregador sem espantar a nova companhia. Isso sim é um amigo, às vezes fazia cagadas, coisas comuns para quem passava o dia inteiro sozinho sem falar com ninguém, só esperando eu chegar cansada, estressada e carente. Pronto, ao abrir a porta minha vida mudava, as cores da casa mudavam. Agora estou aqui, prestes a ter que dar fim a coisa mais importante que já me aconteceu. Não vou ser egoísta nessa hora, claro que estou sofrendo, como poderia ser diferente, ele é tudo que eu tenho, mas não posso pensar assim. Seu tempo comigo está para acabar e tenho que respeitar sua decisão, sei que por ele ficaria mais cem anos comigo, mas a vida não funciona assim, cada um com seu tempo. Sobra nessas horas as lembranças e o sorriso que ele me fez sentir nesse tempo que estivemos juntos.
Quando ajudei –o a sair do sofá, tadinho, ele estava tão mal que mal conseguia respirar, mas ainda demonstrava carinho com aquele seu jeito meio estabanado. Da minha casa até a clinica ele chorava, eu chorava, foi quando em um ato sublime eu lhe disse: “meu amor por ti é o maior e único que tive até hoje, para onde tu for agora, saiba que um dia a gente vai se encontrar. Só descobri o que realmente significa amor depois que te conheci”. Naquele momento senti que ele me ouviu novamente. Entramos em uma sala, a doutora o levou de mim e depois de algum tempo ela me disse: “a senhora fez o certo, ele descansou”. Assim me despedi de alguém especial, meu cachorro Bozó. Estranho isso, não é¿ Pensei que ele tinha só dez anos de idade, mas ele me enganou direitinho, morreu com 70 anos de muitas alegrias.

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