sábado, 20 de novembro de 2010

Morte aos goles

Roberto tinha uma vida simples, buscava trabalhar honestamente numa cidade sem lei, onde cada um cuidava da sua vida e o resto era somente o resto. Era um homem sozinho, só tinha a esposa no mundo para lhe fazer companhia. Vivia tranqüilo no seu dia a dia de trabalhador. Nas esquinas daquela cidade, Roberto ganhava seu dinheiro vendendo doces. Não era um homem alto, nem era gordo e sua pele parda carregava uma cor de cuia. Tinha o semblante de alguém que trabalhava de sol a sol nas sinaleiras de uma grande capital, sujeito a qualquer situação que um lugar de trabalho como esse pode proporcionar.
Naquele dia, Roberto saiu de casa feliz, estava casado com uma mulher maravilhosa, zelosa e paciente com todas as adversidades que a vida lhe mostrava quase que diariamente. Ao atravessar a rua, quase foi atropelado. Sua cabeça não estava ali. Olhou para o lado, ainda sob os xingamentos do motorista do carro que quase o pegou, desculpou-se e seguiu andando. Mais do que driblar um carro, ele driblava pela primeira vez a morte.
Já era quase meio dia quando Roberto entrou no banco para depositar o dinheiro que juntou vendendo doces na sinaleira. Pensativo, ele lembrou do acidente e da sorte que teve ao conseguir desviar daquele carro, nesse momento dois homens armados invadiram a agência e anunciaram o assalto. Os dois homens poderiam facilmente ser confundidos com crianças, estavam nervosos. Possivelmente era o primeiro assalto da vida daqueles moleques, todos percebiam pelas vozes finas e gestos forçados, a infância perdida naqueles ladrões. O primeiro menino que, apesar da pouca idade, carregava uma arma, ordenou que o segundo passasse com um saco de lixo preto e recolhesse celulares e carteiras. Estava bem assustado, com uma mão segurava o saco e na outra uma arma prateada. O homem foi passando e recolhendo os pertences das pessoas. Quando chegou a vez de Roberto, ele colocou a mão no bolso e inesperadamente o assaltante puxou o gatilho, o disparo foi ouvido de longe, apesar do movimento daquela área da cidade. Os ladrões saíram correndo, levando o que tinham roubado. Quando a polícia chegou Roberto estava estático, com os olhos vidrados. Não havia marca de sangue, quase como um milagre o tiro a queima roupa havia acertado em cheio a máquina de dinheiro a trinta centímetros de distância de Roberto. Fora muita sorte ele não ter morrido. Roberto lembrou do carro e sorriu, tinha um brilho em seu olhar, havia fugido da morte pela segunda vez.
Roberto saiu introspectivo do banco, ainda sob o impacto do que havia acontecido. Andou mais alguns metros e entrou num bar onde tomou algumas cervejas. Na saída, caminhava numa avenida movimentada, já havia caído a noite. Parou para dar uma mijada, ali mesmo na rua, escorado em um muro velho. Debruçado no muro, ouviu um barulho, deu uma passo para trás e viu aquela parede de tijolos cair aos seus pés. Um novo milagre fazia ele escapar ileso. Parecia que a morte lhe queria, mas a vontade de voltar para casa e ver sua mulher era maior que a sorte da morte que perdeu pela terceira vez.
Uma hora mais tarde Roberto descia do ônibus perto da sua casa, em um bairro afastado do centro da cidade. Caminhou por alguns minutos, atravessou um matagal e alguns terrenos baldios, quando ouviu o anúncio de um novo assalto. Como não tinha nada em seu poder o ladrão, irritado, disparou duas vezes contra Roberto e mais uma vez a bala não o acertou mortalmente. Sangrando com um tiro de raspão no braço, Roberto gritou por socorro. Um homem muito estranho, parecendo um zumbi se aproximou. O tal homem era um viciado em crack e tentou roubar Roberto que, ferido, ainda lutou para que o viciado não levasse um pedaço de carne que trazia do mercado. O homem deu algumas pauladas em Roberto que lutou ferozmente. O cansaço enorme quase o matou, mas ele fugiu da “dita”, mais uma vez.
Já cansado e perplexo com tudo que lhe havia acontecido, abriu o portão de sua casa, deu mais alguns passos e ouviu a risada de sua mulher. Seu rosto se iluminou, por quatro vezes quase havia morrido, mas a vontade de estar ali e contar tudo para Luisa era maior. Poder chegar em casa e beijá-la era uma vontade maior que a força da própria morte. Nesse momento seu sorriso se fechou, ouviu a risada de um homem. Pensou por alguns segundos quem poderia estar na sua casa, aquela hora. Olhando o relógio percebeu que faltava ainda três horas do horário normal que ele chegava em casa. Desejou morrer, não tinha coragem de entrar. Não podia acreditar que seu amor estava lhe traindo, não ela, não depois de tudo que ele havia passado. Dentro da casa um silêncio, Roberto espiava na janela e de repente um impacto o apagou.
Lentamente Roberto abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi sua mulher Luisa. Pensou que tudo fosse um sonho e sorriu, mas isso durou pouco, uma voz da cozinha lhe tirou o sorriso do rosto, era a voz do homem. Roberto ainda meio grogue, levantou, pegou uma faca que estava em cima da mesa e partiu para cima dele. Iniciaram uma briga feroz, aos gritos de “pára, pára” da sua mulher. Ela tentava conter a fúria do marido traído. O homem o dominou com facilidade, colocou-o no sofá e explicou o que estava acontecendo. Após algum tempo de conversa, ferido e completamente perdido, Roberto aceitou a traição da esposa, abatido e perplexo permitiu que ela partisse com seu novo amor. Enquanto ela arrumava suas coisas, Roberto refletiu sobre tudo que acontecerá com ele. Juntou todos os sinais: o carro, o assalto, o muro, o novo assalto, o viciado, o amante e percebeu que a morte tinha tentado livrá-lo da decepção daquela traição. Sentiu uma forte dor no peito, seu coração estava partido, não tinha mais motivos para sorrir, abriu a gaveta da pia e pegou um veneno de rato, colocou num copo com água e bebeu. A mulher e seu amante estavam saindo da casa quando olharam Roberto e se despediram. Agora Roberto sabia que encontraria alguém que o queria, tranqüilo, disse adeus.

FIM

Cesar Figueiredo
20-11-10

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tempo de ter tempo

Do tempo não tenho saudades, não poderia ter, ele nunca me abandonou, muito pelo contrário, eu que o esqueci, para bem da realidade também não foi isso que aconteceu... Nos dias de hoje o tempo é só uma palavra usada para justificativas medonhas que damos aos outros, quando não queremos visitar alguém, dizemos: “bah, não tenho tempo”. Sempre escutei as frases: “o tempo é nosso maior aliado”, “tudo se cura com o tempo” ou “ nada que o tempo não resolva”.

A palavra tempo está na memória coletiva, faz parte das nossas vidas. Mas o que estamos fazendo com ele é um absurdo, sempre buscamos um culpado e a bola da vez é o tempo, que não fez nada, segue o seu curso como os rios, cada vez mais secos, culpa do tempo também...

Mas vamos aos fatos atuais, no tempo das carroças se demorava dois dias para se atravessar uma cidade. Hoje, com carros velozes, conseguimos isso em minutos, mas onde o tempo está nisso? Foi ele quem fez o carro ser mais rápido que a carroça? Acredito que não.

Esperávamos meses para receber notícias de alguém, cartas eram esperadas por comunidades inteiras e ainda tínhamos que ter a sorte de ter alguém que lesse e escrevesse bem. Hoje, com o email eletrônico, o cara escreve e a gente recebe na hora. Até aí tudo bem, estamos evoluindo, ninguém vai reclamar da evolução, mas não é isto que está em jogo e sim, o tempo.

O que mais escutamos é “no tempo disso, no tempo daquilo”. Se sentimos saudade daquele tempo, porque lutamos tanto pra que ele fique lá atrás¿ Tudo é mais rápido hoje, até a tecnologia é mais rápida, tendo em vista que a internet não é mais discada. Chegamos a incrível marca de 100 mega de velocidade. Se tu quer comprar, compra pela internet, para ganhar tempo, se quer vender, vende pela internet, para ganhar tempo.

Os exames de saúde são rápidos. Isso é bom, mas as filas são maiores, todas as filas são maiores, assim como os engarrafamentos. Tudo isso porque deixamos de lado o tempo das coisas e colocamos o nosso tempo em primeiro lugar. Não acredito que realmente sentimos falta do tempo, acredito que sentimos falta do tempo que nós tínhamos tempo de pensar sobre tempo.

Tempo bom vamos para a praia,
Tempo ruim ficamos em casa,
Sem tempo para os filhos,
Nem tempo de passar na casa dos parentes mais velhos,
Afinal de contas, eles são do tempo que se sentava na sacada ou na areia e se tomava um bom chimarrão enquanto se colocava a “prosa” em dia. Hoje usamos as redes de relacionamentos para dizer um “oi”.

Não temos tempo para criar nossos filhos, pois precisamos de tempo para arrumar dinheiro e dar uma boa educação para eles. Dar amor é coisa do tempo que amor não se comprava.
Hoje nos esquecemos de voltar para casa, culpa do tempo que perdemos mentindo para outras pessoas sobre tempo. Deixamos de lado nossas famílias em busca do sonho da riqueza e do poder que antigamente se levava um tempo para conseguir. Hoje isso pode acontecer em questão de segundos e por isso corremos contra o tempo. Temos que pagar o cursinho, creche, terapia, rancho, academia, prestações do carro, da TV de 380 polegadas, do Mac novo, do carro, do seguro de vida, seguro contra incêndio, seguro das mãos, seguro da casa, mais a empregada, a babá, a lavanderia, as contas do cartão de crédito! Meus Deus como temos contas a pagar! Mas já viu que lindo aquele celular que fala com a gente quando estamos sozinhos e cansados no quarto, chorando porque precisamos de tempo para arrumar dinheiro para pagar por ele também¿

Sei que é um absurdo, mas o tempo não tem nada a ver com isso, e sim a maneira que lidamos com ele. Hoje tudo é mais rápido que o tempo, por isso ele nos abandonou. Qualquer coisa é melhor que falar sobre o tempo, nem as previsões do tempo acertam porque quando se percebe, ele já mudou, mas aí tem dedo do homem e não da ação do tempo.

Precisamos de tempo para revermos o nosso tempo. Já que o tempo que temos na terra gastamos procurando dinheiro, perdendo amigos nas estradas pois precisamos de tempo para bebermos mais nas festas. Sem tempo para beijar nossos filhos porque temos uma reunião no outro lado do continente. Sendo egoístas e perdendo segundos maravilhosos observando nossos filhos crescerem. Quem vê isso hoje é a tia da creche, o professor de karatê, a babá, os professores. Mentimos que precisamos de mais dinheiro para ficar mais tempo com nossos pequenos, mas isso a gente sabe que é mentira, porque quando arrumamos dinheiro não temos tempo de gastá-lo. Compramos, viajamos e publicamos fotos rindo, como se realmente estivéssemos felizes, mas estamos pensando no tempo que estamos perdendo por estarmos ali, porque queríamos estar em outros lugares ao mesmo tempo.

A palavra tempo se multiplicou nesse texto para que você, caro leitor, observe mais o que realmente queremos nessa vida. Nosso tempo está acabando e diferente do futebol, na vida não há um segundo tempo. Nosso tempo é agora e ele ainda está do nosso lado, mas no futuro a palavra tempo não deverá ser mais usada porque isso é uma coisa que não teremos mais, assim como água potável e luz solar. Nossos recursos naturais estão com o tempo contado e a vida na terra também. Muitos morrem de sede, outros morrem nas filas que o tempo vai deixando para trás por não ter tempo de atendê-los. Mas não culpem o tempo, quem determina nosso tempo somos nós mesmos. E o que estamos fazendo com ele¿ Estamos jogando o tempo fora, como se, com o tempo, as coisas fossem melhorar, mas esse tempo já passou. Agora é! E há tempo para se pensar!

Queimamos, matamos, abrimos e questionamos o tempo, mas nunca pensamos que quando formos embora o tempo seguirá firme e forte, mas nós, que nem vimos o tempo passar, sentiremos saudade do tempo que não tínhamos tempo de pensar.


Cesar Figueiredo

“Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó Pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo socorrei”

Gilberto Gil

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A partida

Nos melhores dias com ele eu sonhava que estava mais do que feliz, não saberia dizer o real sentimento que tomava conta de mim. Naqueles minutos maravilhosos que passávamos juntos, seu olhar era amigo e me passava confiança, coisa difícil nos dias de hoje. Quem realmente confia em alguém ?
Mais do que confiar é dividir e isso sim é fruto de uma construção interna de reabilitação com a convivência humana, por mais que pensasse que eles são inferiores a mim, não os via assim, porque cada segundo de vida que tenho penso em fazer o bem, não importa se acreditam em mim ou não, não faço para impressionar quem está ao meu lado.
Meus problemas começaram depois de dez anos vivendo juntos. Ele não falava e sendo assim, eu tentava adivinhar o que se passava naquela cabeça, que horas se comunicava, horas me deixava no ar com a possibilidade de estar pensando qualquer coisa.
Mas naquela manhã de inverno, ele nem sequer levantou do sofá, lugar que ele adorava. Chamei para comer, ele comia pouco , uma vez por dia no máximo, mas nem sinal, meu companheiro de dez anos não me via e nem me ouvia mais. Uma tristeza tomou conta de mim, pressenti que ele estava me deixando, um frio na barriga me provocou lágrimas nos olhos, uma sensação de vazio na alma, uma vontade de gritar para o mundo: “não me deixe aqui sozinha”. Mas o mundo e seus problemas não iriam me dar bola, não como ele me dava.
Sempre que chegava em casa cansada das horas intermináveis de trabalho, dia após dia trabalhando , sem nenhuma vontade de estar naquele ambiente de trabalho machista e vulgar, onde cada um cuida só do seu rabo e nem imaginam que sofremos e que temos problemas . Minha única alegria era voltar para casa e ser recebida com amor de alguém que realmente se preocupava comigo. Seu carinho era o meu eterno conforto. Não havia espaço para ciúmes, toda vez que conhecia alguém legal que pudesse haver algum interesse, ele se mostrava agregador sem espantar a nova companhia. Isso sim é um amigo, às vezes fazia cagadas, coisas comuns para quem passava o dia inteiro sozinho sem falar com ninguém, só esperando eu chegar cansada, estressada e carente. Pronto, ao abrir a porta minha vida mudava, as cores da casa mudavam. Agora estou aqui, prestes a ter que dar fim a coisa mais importante que já me aconteceu. Não vou ser egoísta nessa hora, claro que estou sofrendo, como poderia ser diferente, ele é tudo que eu tenho, mas não posso pensar assim. Seu tempo comigo está para acabar e tenho que respeitar sua decisão, sei que por ele ficaria mais cem anos comigo, mas a vida não funciona assim, cada um com seu tempo. Sobra nessas horas as lembranças e o sorriso que ele me fez sentir nesse tempo que estivemos juntos.
Quando ajudei –o a sair do sofá, tadinho, ele estava tão mal que mal conseguia respirar, mas ainda demonstrava carinho com aquele seu jeito meio estabanado. Da minha casa até a clinica ele chorava, eu chorava, foi quando em um ato sublime eu lhe disse: “meu amor por ti é o maior e único que tive até hoje, para onde tu for agora, saiba que um dia a gente vai se encontrar. Só descobri o que realmente significa amor depois que te conheci”. Naquele momento senti que ele me ouviu novamente. Entramos em uma sala, a doutora o levou de mim e depois de algum tempo ela me disse: “a senhora fez o certo, ele descansou”. Assim me despedi de alguém especial, meu cachorro Bozó. Estranho isso, não é¿ Pensei que ele tinha só dez anos de idade, mas ele me enganou direitinho, morreu com 70 anos de muitas alegrias.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um dia inesquecível.

Têm muitos assuntos que giram em torno dos seres humanos, mas um que eu nunca vou esquecer: a primeira vez (pelo menos que eu tenha conhecimento), que fui corno.

As coisas não andavam muito bem pro meu lado naquela época, meados de 95/96.
Lembro que era frio, eu viajava muito por conta da banda que eu tocava, namorava uma mina sinistra mas que sempre se mostrava séria, pelo menos até aquele dia triste de inverno.
Eu sempre fui muito ciumento, mas até então EU era ciumento, não tinha convivido com uma mulher ciumenta. Dizem que as mulheres são horríveis quando pensam em trair, tu pode trancá-las no guarda roupa que elas te traem com o cabide.

Pois bem, naquele sábado frio eu saí de casa no final da tarde para tocar no interior, fiz o show, distribuí alguns autógrafos e voltei para Porto Alegre, minha querida terra natal. Quando cheguei em casa notei que não tinha ninguém, o que não era muito difícil de perceber, afinal de contas eu morava sozinho. Então resolvi tomar uma ceva em um bar próximo a minha casa e foi quando eu encontrei um amigo que me deu a seguinte informação:
- Aí Padeiro, tu abre o olho com a tua mina...
Eu estranhei e retruquei.
- Como assim, mano? - eu sempre chamo todo mundo de mano.
Ele tava meio bêbado, tentou desconversar, mas eu não aceitei e o joguei contra a parede.
- Ah não, começou agora termina...
Sem pestanejar ele olhou nos meus olhos e me disse a pior coisa que um homem pode ouvir, depois de “teu pau é pequeno”.
- Bah Padeiro! Desculpa mesmo mano, mas eu vi tua mina de beijo com um cara agora há pouco, ali na Cidade Baixa.
Eu estava no Bom Fim, sentei na cadeira novamente, tomei um copo de cerveja como se fosse água, minhas mãos esquentaram, comecei a suar.
- Como assim? – eu disse, e meu amigo respondeu:
- Sabe quando tem uma mina e um cara se beijando? Imagina que a mina era a tua!

Eu fiquei cego, saí do bar e voltei pra casa, meio sem saber o que fazer, até então isso nunca tinha acontecido comigo, eu chorava de raiva e não parava de ligar a cobrar pro celular dela. Como ela em nenhum momento atendeu, eu praticamente não dormi.
No domingo à tarde minha cabeça doía de tanto pensar na possibilidades de não ser ela, logo depois minha cabeça doía ainda mais com a possibilidade de ser ela, mais tarde minha cabeça doía tanto com o fato de ser corno que eu fiz o que todo corno faz: bebi! Comecei a beber em um bar ali pela Goethe.
Não demorou para aparecer algum conhecido, nessas horas sempre aparece alguém com no mínimo dois objetivos: ou te ajuda a superar a dor, o que é bem mais difícil ou pra rir da tua cara, o que é bem mais comum.
Nesse caso era para me dar uma força.
- E aí, Padeiro! Que cara é essa brother?
Eu, meio desanimado, pensei em inventar alguma história do tipo, “não passei no vestibular”, mas não ia funcionar, ninguém, fora os C.D.Fs de plantão, tomam porre e choram que nem criança porque não passaram no vestibular.
Então achei melhor contar o que tinha me acontecido.
Vendo meu estado, esse amigo abriu a carteira e puxou um talão, tipo talão de cheque, esse talão era a entrada para um pagode bem pegado, pra burguês, no Veneza.
Ele olhou nos meus olhos e me falou:
- Porra Padeiro, levanta essa moral! Um cara bonito que nem tu, cheio da chinfra, toca em banda, tem um monte de mulher babando...
Por um segundo eu achei que fosse uma cantada, mas fazer o que, né!
- Porra mano, pega essas entradas, vai em casa, coloca uma roupa legal e vai lá comer uma mulher diferente, mano.

Eu limpei as lágrimas da cara, agradeci e guardei as entradas. Terminei minha cerveja e voltei para casa. No meio do caminho, na Vasco da Gama, eu mesmo vi, ninguém me contou, ela, aquela a quem eu tinha jurado amor eterno (veja bem, jurado amor eterno, não fidelidade) com outro cara no outro lado da rua. Tudo voltou na minha cabeça, menos o par de guampas, pois esse já estava lá há mais de 24 horas. Olhei pra baixo e segui até minha casa. Coloquei a melhor roupa que eu tinha, não era bem o que eu queria, mas era a única que eu tinha...

Depois de algum tempo cheguei ao Veneza, já estava se formando uma fila, devia ter umas vinte pessoas, mas eu, como sempre, me recusei a ficar na fila, acreditava que sairia algum amigo músico e eu passaria na frente daquele bando de mauricinho e patricinha com roupa de verão. Mas a única coisa que passou foi o tempo.
Duas horas mais tarde eu continuava escorado no mesmo carro e as vinte pessoas que estavam na fila, como num passe de mágica haviam se transformado em mais de quarenta, que agora estavam me olhando como se estivessem rindo da minha cara.
Mas eu sempre fui um cara de muita fé e sabia que alguma coisa estava para acontecer... Minutos depois desse pensamento eu levantei a cabeça e olhei para a fila, que estava maior, e olhei para a porta do bar, a porta era daquelas portas vai-e-vem, tipo de caubói, sabe?
Pois nesse exato instante aquela porta se abriu. Devido ao frio que estava lá fora ou ao calor que estava lá dentro, quando a porta se abriu saiu uma fumaça branca e do meio dessa fumaça surgiu uma loira linda, um metro e oitenta, de mini saia branca com cinta-liga da mesma cor e sapatos combinando. Eu continuava escorado no carro, seu olhar era tão penetrante que eu senti a mesma coisa que as mais de quarenta pessoas que estavam na fila. Ela começou a vir na minha direção como se eu fosse o único homem da terra. E o melhor de tudo, ela era muito, mas muito mais linda que minha ex-namorada.
Ela vinha se aproximando e eu com um olho fixo nela e o outro fixo na fila, conforme ela andava e a fila a seguia com os olhos, eu comecei a gostar daquilo, comecei a me sentir homem novamente. Eu sentia as guampas diminuindo na minha cabeça, eu sentia que o mundo era pequeno demais para mim naquele momento, meu ego transbordou e eu quase me afoguei nele. Então, quando o mundo inteiro tinha parado para ver a cena mais linda de amor daquele dia, quando até o frio deu uma trégua, quando as cores e as coisas ficaram mais lentas, ela parou na minha frente e, lentamente, retirou um real da bolsa, me deu, entrou no carro e foi embora.


César Figueiredo

Felizmente o mundo é perfeito, já a gente...

Ninguém pensa em ficar doente, isso seria doentio. Nada contra os hipocondríacos de plantão, até acredito ser um deles, disfarçado, mas as doenças são os menores problemas da sociedade contemporânea. O homem e sua capacidade de prolongar a vida humana com clones, transplantes, repositores de peças, mais antibióticos e assemelhados, tornou possível que o homem viva mais e melhor. Será?
Na mesma velocidade que nós criamos remédios e peças de reposição, criamos armas biológicas, medo, insegurança e despreparo para a vida. Cada um é responsável pelo seu mundo, já que está impossível viver em sociedade. Muitos vão dizer: o Cesar está ficando besta com essa mania de querer pensar. Mas pare e pense do que temos medo nos dias de hoje: de câncer ou de bala perdida? Da AIDS ou de um homem bêbado atrás de um volante? Essas são perguntas que ficam na minha cabeça. A vida toma uma velocidade incrível em nome da tecnologia, que para muitos ainda não é uma realidade. Realidade é a dengue, a febre amarela, o sarampo. Inacreditável relatar essas coisas, nossa falsa evolução nos leva a um abismo de medo e pânico onde a energia elétrica é nosso suporte de segurança, e como ficam nossas vidas sem luz? Não é um papo espírita agora, mas o fantasma está entre nós.
Enquanto esperava minha velha e sábia mãe ser atendida no HPS de Porto Alegre, observava as pessoas que ali estavam: acidentes de moto, balas perdidas, choques, facadas e tentativa de suicídio. Veja que se puxar um pouco pela memória não citei nenhuma doença fora a raça humana, mas como assim, alguém irá dizer, pois bem, o ser humano é uma doença, muito similar ao câncer, que destrói um organismo e que abriga milhares de pessoas e outros seres vivos dentro desse planeta maravilhoso. Somos canibais, anti sociais e extremamente vulneráveis, a caça de hoje é o caçador de amanhã, não estamos seguros em nossas celas particulares, lugar que chamamos com um grande carinho de lar.
As grades que nos rodeiam por todos os lados, nos mostram um outro mundo onde pessoas de bem seguem escondidas nas sombras do mal que insiste em nos atormentar. Esse mal pode ser considerado como inveja, a "inveja branca", como muitos gostam de dizer, inveja branca não existe, inveja não tem cor.
As lacunas da sociedade atual deixa em aberto as falhas no sistema, fazendo que marginais de colarinho branco se beneficiem dessas lacunas, mas e onde vamos nessa velocidade, que evolução é essa? A resposta é simples, não há evolução e sim um ciclo que se encerra com a tentativa de fim do mundo. Esse nunca vai acabar, mas vai se renovar e já mostrou isso algumas vezes de várias maneiras, muitas vezes se livrando de seres até mais fortes que nós humanos. O que mais me assusta hoje é a maneira que lidamos com nossa fragilidade, onde uma bala pode dar fim a todos as nossas escolhas, o fim da vida.
Voltemos ao hospital, minha mãe está sofrendo com uma gripe que faz com que ela fique tossindo horas a fio, tornando insuportável a dor nos seus músculos internos, fora outros problemas relacionados a idade, coisas normais em alguém que leva a vida sedentária que ela leva, não que seja culpa dela, muito pelo contrário. A culpa é do dinheiro, outra invenção maravilhosa do animal mais esperto que existe, o homem, veja bem... quem disse isso foi um homem também. Isso merece alguma credibilidade?
Das doenças que o homem traz ao longo dos séculos as piores são: a ganância, a inveja, o cinismo e a arrogância. São doenças do cérebro e sendo assim praticamente impossíveis de serem curadas. Enquanto ela esperava que o remédio fizesse efeito, eu na sala de espera, olhava uma menina que tinha tentado se matar com laxantes em excesso, ora, logo imaginei que ela queria morrer de tanto cagar mas depois escutando a conversa da pessoa que a acompanhava, percebi se tratar da avó, já que a mãe recusou-se a sair de casa por causa daquilo. Devia estar cansada de ver a própria filha pedir atenção, problemas neurológicos e psicológicos que dizem respeito às duas, mãe e filha.
A fuga da realidade sempre me deixou atucanado, também já estive nessa posição , buscava nas drogas a realidade que gostaria de ter. Isso está muito relacionado ao dinheiro, ou a falta dele. As doenças do homem se mostram mais viscerais a cada dia que passa, nos tornando cada vez mais agressivos, como se voltássemos a idade do homem das cavernas. Uma prova viva disso é o crack, a primeira vez que ouvi falar nessa droga foi em 1987 no filme New Jack City, onde já mostravam o que seria a epidemia do século XXI, mas hoje o que vemos são zumbis que circulam entre nós e nos mostram o quão fracos somos.
Em 35 anos de vida passei por aids, ebola, gripe suína, aviária e agora vejo que dessas, a mais forte, é o próprio homem. E tudo isso pra que?
As perguntas se arrastaram durante a madrugada na minha cabeça e as respostas não vinham, dentro daquele hospital fiquei e vi de tudo, mas não enxerguei a cura nem para os problemas que havia lá dentro, nem para os problemas que existem aqui fora. Um simples xarope curou minha velha mãe enquanto outro “xarope” escrevia esse texto. Que bom seria se um xarope ou vários nos ajudassem a resolver tantos problemas. E tem gente que insiste em me dizer que o mundo tem jeito, ora que o mundo tem jeito eu sei, mas e as pessoas tem?

sábado, 13 de novembro de 2010

A morte do Padeiro

Hoje enquanto tomava meu café, coisa que faço há muito tempo antes de ir ao banheiro, pensava sobre o meu apelido. Ganhei o apelido de Padeiro ainda muito jovem, devia ter uns doze, treze anos no máximo. Zé, esse é o nome do cara que, injustamente, me colocou o apelido. Digo injustamente porque meu apelido deveria ser vendedor, já que não fazia pão mas vendia-o. Mas isso é só mais uma desculpa, afinal de contas, foi esse apelido que me abriu as portas para o que hoje eu ludicamente chamo de vida.

Mesmo que eu conseguisse sair do subúrbio de Canoas e tivesse estudado tudo que não estudei, mesmo assim, tenho certeza que o apelido não me ajudaria tanto assim. Sempre fui um galanteador de araque, passei por diversas situações de risco para zelar por um apelido que, anos mais tarde, descobri que era mais pejorativo que benéfico pra mim.

Padeiro é aquele que amassa para os outros comerem, aquele que queima a rosca, o que vive de mexer em farinha, o que alisa cacetinho... Bom, já me falaram que eu era um sonho, o que não me convenceu, é claro.

Na escola tive apelidos piores como sabonete e gatinha, é isso mesmo, gatinha, no feminino. Ainda muito novo morava com minha mãe em Viamão e lá as meninas eram chamadas de gatinhas, já em Canoas eram chamadas de mina, vai entender, mas eu por ser novo na área e um galanteador de araque, fiquei com o apelido.

Na adolescência o apelido ficou melhor porque foi nesse período que me transformei no pior dos homens, me tornei um aprendiz de marginal, morava em um lugar onde todos tinham passagem pela policia, ou tu é um deles ou tu é contra eles. Não fazia nada direito, mas andava com os heróis da vila, os bandidos.

Muitos não sabem o que é ser de outra cidade com doze anos, ser um semi-analfabeto, não ter pai, não ter amigos de infância, não ter dinheiro e muito menos o carinho que se precisa, como dizia um grande amigo, Bebeco Garcia, “A vida é dura rapaz”.

Mas os anos foram me mostrando outras coisas na vida como a música, a arte e dentro disso fui me instruindo, meio sem querer, naquilo que seria a minha vida mais tarde. A morte de alguns conhecidos me ajudaram a tomar, o que eu achava ser, a melhor decisão.

Um caminho longo começava ali diante dos meus olhos. A banda Sexy Machine tocou no bar Garagem Hermética naquela noite quente de março de 1994. Nessa noite minha vida mudou levado pelo meu meio irmão, hoje um bandido de carteirinha. Tive ali minha primeira grande oportunidade de conhecer gente legal, drogas ilegais e o sexo livre. Sei que parece que estou falando dos anos sessenta, mas não estou.

Nesse mesmo ano me ofereci pra tocar numa banda instrumental, que na época se chamava "Da Nada". Esse nome foi trocado depois que eu assumi os vocais ao lado do multiartista Pablo Ferreti, do publicitário Rafa Ferretti, do poeta Daniel Leão, do músico Zé do Trompete e do safado Flavio Miguel. Essa banda, a Urro, foi um marco na minha vida, estava cercado por pessoas inteligentes e criativas o que despertou minha inteligência guardada a sete chaves dentro da minha cabeça. Com essa banda toquei nos principais palcos da época, mas o apelido me seguia e eu já não via a necessidade dele existir. A banda se dissolveu com a chegada de uma nova era, todos partiram para algum lugar do mundo ou até mesmo para dentro de seus mundos e eu fiquei sozinho novamente, o sonho pra mim também tinha acabado.

Mas em 1998 uma grande virada tomou as rédeas da minha vida, por ser filho de batuqueira, aprendi a tocar “tambores” e assim comecei a tocar com amigos em barzinhos, na maioria das vezes no próprio bar Garagem Hermética. Toquei com amigos como Frank Jorge e Sergio Tavares. Esse fase só evoluiu quando recebi o convite para tocar na que seria a minha grande chance na música, o Da Guedes. Naquele mesmo ano fiz a trilha de um espetáculo de Nelson Rodrigues, o Boca de Ouro , que me mostrou o caminho do teatro, sem muito sucesso também. No ano seguinte, gravamos o nosso primeiro disco “Os cinco elementos” que teve uma ótima aceitação nacional. Viagens, mulheres e drogas marcaram a minha passagem pelo mundo do Hip Hop, mas grana que é bom, nada. Nesse mesmo período fui convidado a trabalhar com cinema, carregando objetos e puxando cabos. Trabalhei ali por muitos anos, e o maldito "Padeiro", sempre a minha volta.

Muitos podem pensar que eu tenho problemas com o meu apelido, mas o que eu não gosto é da maneira que ele conduziu a minha vida e por isso reivindico ser chamado pelo meu nome, claro que isso não vai acontecer, porque apelido pega justamente porque a gente não gosta.

Em 2001 abandonei a árdua tarefa de puxar cabos e montei um grupo chamado "Filhos de Jorge". Toquei por mais algum tempo e o apelido insistia em me perseguir.

Meu apelido só fez sentindo em 2005 quando, com a ajuda de grandes amigos como Jubasan e Dimitri Lucho, consegui fazer meu primeiro piloto para a Tv, o programa Urbanos, exibido pela Ulbra Tv. O apelido "Padeiro", só ganhou força com esse grande momento profissional da minha vida. Outro programa de humor que fiz em parceria com outro cara de apelido engraçado Luis Gustavo, o Bivis, onde formávamos a dupla do programa Mistura Fina, marcou tanto a mente dos gaúchos que até hoje me chamam de Padeiro na rua. Com a minha saída do programa e da Ulbra Tv, vi minha vida se desmoronar. Passei por outras emissoras como a Tv Cristal onde dirigi programas da terceira idade e programas de debate, mas foi o programa Domingueira que fiz com outros grandes amigos Felipe do Santos, Lucas Luz, Gabriel Lagoas, Leandro Bandeira e Socrátes Ribeiro, que se destacou. Infelizmente a emissora era dominada por um maluco e o programa apesar do sucesso, saiu do ar. Foi nesse período que conheci a família Pedro, que com o programa Algo Mais, me levou a Tv Pampa. Lá fazia matéria e editava. Fiquei por ali algum tempo e também sai. Três anos mais tarde voltei a fazer o Mistura Fina, mas desta vez já não havia a hegemonia da época de ouro, o que fez o programa acabar em quatro meses. Junto com o fim do programa veio o fim do meu terceiro casamento e assim uma nova reformulação na minha vida. Voltei a estudar e comecei a escrever coisas, o que sempre adorei fazer, mas tinha medo da aceitação do público e principalmente das críticas. Hoje busco uma vida nova, não há espaço para o passado, ele é apenas uma mera, às vezes grata, às vezes ingrata, lembrança. Minha literatura está sendo reconhecida por onde ela anda, meu nome está sendo reconhecido, meu apelido alimentou brincadeiras e bons momentos, mas agora é hora de crescer e acompanhar a minha evolução como ser humano, meu apelido se tornou um personagem e vai me acompanhar para sempre, ainda mais fazendo vídeos para marcas de roupas jovens como faço ainda hoje.

Tomei a liberdade de refazer meu blog e nele escrever com tranqüilidade as coisas que gosto e que aprecio, faço da literatura uma forma de expressar minhas opiniões e meus pensamentos. Contos e mini contos estão espalhados por esse portal mostrando quem sou e o que fui nessa vida. Muitos podem me malhar, como já o fizeram antes, mas Cesar Figueiredo, em 2010, enterrou de vez o Padeiro que nele existia. Por isso hoje tenho a grata satisfação de lhes informar: a morte do Padeiro.