segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um dia inesquecível.

Têm muitos assuntos que giram em torno dos seres humanos, mas um que eu nunca vou esquecer: a primeira vez (pelo menos que eu tenha conhecimento), que fui corno.

As coisas não andavam muito bem pro meu lado naquela época, meados de 95/96.
Lembro que era frio, eu viajava muito por conta da banda que eu tocava, namorava uma mina sinistra mas que sempre se mostrava séria, pelo menos até aquele dia triste de inverno.
Eu sempre fui muito ciumento, mas até então EU era ciumento, não tinha convivido com uma mulher ciumenta. Dizem que as mulheres são horríveis quando pensam em trair, tu pode trancá-las no guarda roupa que elas te traem com o cabide.

Pois bem, naquele sábado frio eu saí de casa no final da tarde para tocar no interior, fiz o show, distribuí alguns autógrafos e voltei para Porto Alegre, minha querida terra natal. Quando cheguei em casa notei que não tinha ninguém, o que não era muito difícil de perceber, afinal de contas eu morava sozinho. Então resolvi tomar uma ceva em um bar próximo a minha casa e foi quando eu encontrei um amigo que me deu a seguinte informação:
- Aí Padeiro, tu abre o olho com a tua mina...
Eu estranhei e retruquei.
- Como assim, mano? - eu sempre chamo todo mundo de mano.
Ele tava meio bêbado, tentou desconversar, mas eu não aceitei e o joguei contra a parede.
- Ah não, começou agora termina...
Sem pestanejar ele olhou nos meus olhos e me disse a pior coisa que um homem pode ouvir, depois de “teu pau é pequeno”.
- Bah Padeiro! Desculpa mesmo mano, mas eu vi tua mina de beijo com um cara agora há pouco, ali na Cidade Baixa.
Eu estava no Bom Fim, sentei na cadeira novamente, tomei um copo de cerveja como se fosse água, minhas mãos esquentaram, comecei a suar.
- Como assim? – eu disse, e meu amigo respondeu:
- Sabe quando tem uma mina e um cara se beijando? Imagina que a mina era a tua!

Eu fiquei cego, saí do bar e voltei pra casa, meio sem saber o que fazer, até então isso nunca tinha acontecido comigo, eu chorava de raiva e não parava de ligar a cobrar pro celular dela. Como ela em nenhum momento atendeu, eu praticamente não dormi.
No domingo à tarde minha cabeça doía de tanto pensar na possibilidades de não ser ela, logo depois minha cabeça doía ainda mais com a possibilidade de ser ela, mais tarde minha cabeça doía tanto com o fato de ser corno que eu fiz o que todo corno faz: bebi! Comecei a beber em um bar ali pela Goethe.
Não demorou para aparecer algum conhecido, nessas horas sempre aparece alguém com no mínimo dois objetivos: ou te ajuda a superar a dor, o que é bem mais difícil ou pra rir da tua cara, o que é bem mais comum.
Nesse caso era para me dar uma força.
- E aí, Padeiro! Que cara é essa brother?
Eu, meio desanimado, pensei em inventar alguma história do tipo, “não passei no vestibular”, mas não ia funcionar, ninguém, fora os C.D.Fs de plantão, tomam porre e choram que nem criança porque não passaram no vestibular.
Então achei melhor contar o que tinha me acontecido.
Vendo meu estado, esse amigo abriu a carteira e puxou um talão, tipo talão de cheque, esse talão era a entrada para um pagode bem pegado, pra burguês, no Veneza.
Ele olhou nos meus olhos e me falou:
- Porra Padeiro, levanta essa moral! Um cara bonito que nem tu, cheio da chinfra, toca em banda, tem um monte de mulher babando...
Por um segundo eu achei que fosse uma cantada, mas fazer o que, né!
- Porra mano, pega essas entradas, vai em casa, coloca uma roupa legal e vai lá comer uma mulher diferente, mano.

Eu limpei as lágrimas da cara, agradeci e guardei as entradas. Terminei minha cerveja e voltei para casa. No meio do caminho, na Vasco da Gama, eu mesmo vi, ninguém me contou, ela, aquela a quem eu tinha jurado amor eterno (veja bem, jurado amor eterno, não fidelidade) com outro cara no outro lado da rua. Tudo voltou na minha cabeça, menos o par de guampas, pois esse já estava lá há mais de 24 horas. Olhei pra baixo e segui até minha casa. Coloquei a melhor roupa que eu tinha, não era bem o que eu queria, mas era a única que eu tinha...

Depois de algum tempo cheguei ao Veneza, já estava se formando uma fila, devia ter umas vinte pessoas, mas eu, como sempre, me recusei a ficar na fila, acreditava que sairia algum amigo músico e eu passaria na frente daquele bando de mauricinho e patricinha com roupa de verão. Mas a única coisa que passou foi o tempo.
Duas horas mais tarde eu continuava escorado no mesmo carro e as vinte pessoas que estavam na fila, como num passe de mágica haviam se transformado em mais de quarenta, que agora estavam me olhando como se estivessem rindo da minha cara.
Mas eu sempre fui um cara de muita fé e sabia que alguma coisa estava para acontecer... Minutos depois desse pensamento eu levantei a cabeça e olhei para a fila, que estava maior, e olhei para a porta do bar, a porta era daquelas portas vai-e-vem, tipo de caubói, sabe?
Pois nesse exato instante aquela porta se abriu. Devido ao frio que estava lá fora ou ao calor que estava lá dentro, quando a porta se abriu saiu uma fumaça branca e do meio dessa fumaça surgiu uma loira linda, um metro e oitenta, de mini saia branca com cinta-liga da mesma cor e sapatos combinando. Eu continuava escorado no carro, seu olhar era tão penetrante que eu senti a mesma coisa que as mais de quarenta pessoas que estavam na fila. Ela começou a vir na minha direção como se eu fosse o único homem da terra. E o melhor de tudo, ela era muito, mas muito mais linda que minha ex-namorada.
Ela vinha se aproximando e eu com um olho fixo nela e o outro fixo na fila, conforme ela andava e a fila a seguia com os olhos, eu comecei a gostar daquilo, comecei a me sentir homem novamente. Eu sentia as guampas diminuindo na minha cabeça, eu sentia que o mundo era pequeno demais para mim naquele momento, meu ego transbordou e eu quase me afoguei nele. Então, quando o mundo inteiro tinha parado para ver a cena mais linda de amor daquele dia, quando até o frio deu uma trégua, quando as cores e as coisas ficaram mais lentas, ela parou na minha frente e, lentamente, retirou um real da bolsa, me deu, entrou no carro e foi embora.


César Figueiredo

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