sábado, 13 de novembro de 2010

A morte do Padeiro

Hoje enquanto tomava meu café, coisa que faço há muito tempo antes de ir ao banheiro, pensava sobre o meu apelido. Ganhei o apelido de Padeiro ainda muito jovem, devia ter uns doze, treze anos no máximo. Zé, esse é o nome do cara que, injustamente, me colocou o apelido. Digo injustamente porque meu apelido deveria ser vendedor, já que não fazia pão mas vendia-o. Mas isso é só mais uma desculpa, afinal de contas, foi esse apelido que me abriu as portas para o que hoje eu ludicamente chamo de vida.

Mesmo que eu conseguisse sair do subúrbio de Canoas e tivesse estudado tudo que não estudei, mesmo assim, tenho certeza que o apelido não me ajudaria tanto assim. Sempre fui um galanteador de araque, passei por diversas situações de risco para zelar por um apelido que, anos mais tarde, descobri que era mais pejorativo que benéfico pra mim.

Padeiro é aquele que amassa para os outros comerem, aquele que queima a rosca, o que vive de mexer em farinha, o que alisa cacetinho... Bom, já me falaram que eu era um sonho, o que não me convenceu, é claro.

Na escola tive apelidos piores como sabonete e gatinha, é isso mesmo, gatinha, no feminino. Ainda muito novo morava com minha mãe em Viamão e lá as meninas eram chamadas de gatinhas, já em Canoas eram chamadas de mina, vai entender, mas eu por ser novo na área e um galanteador de araque, fiquei com o apelido.

Na adolescência o apelido ficou melhor porque foi nesse período que me transformei no pior dos homens, me tornei um aprendiz de marginal, morava em um lugar onde todos tinham passagem pela policia, ou tu é um deles ou tu é contra eles. Não fazia nada direito, mas andava com os heróis da vila, os bandidos.

Muitos não sabem o que é ser de outra cidade com doze anos, ser um semi-analfabeto, não ter pai, não ter amigos de infância, não ter dinheiro e muito menos o carinho que se precisa, como dizia um grande amigo, Bebeco Garcia, “A vida é dura rapaz”.

Mas os anos foram me mostrando outras coisas na vida como a música, a arte e dentro disso fui me instruindo, meio sem querer, naquilo que seria a minha vida mais tarde. A morte de alguns conhecidos me ajudaram a tomar, o que eu achava ser, a melhor decisão.

Um caminho longo começava ali diante dos meus olhos. A banda Sexy Machine tocou no bar Garagem Hermética naquela noite quente de março de 1994. Nessa noite minha vida mudou levado pelo meu meio irmão, hoje um bandido de carteirinha. Tive ali minha primeira grande oportunidade de conhecer gente legal, drogas ilegais e o sexo livre. Sei que parece que estou falando dos anos sessenta, mas não estou.

Nesse mesmo ano me ofereci pra tocar numa banda instrumental, que na época se chamava "Da Nada". Esse nome foi trocado depois que eu assumi os vocais ao lado do multiartista Pablo Ferreti, do publicitário Rafa Ferretti, do poeta Daniel Leão, do músico Zé do Trompete e do safado Flavio Miguel. Essa banda, a Urro, foi um marco na minha vida, estava cercado por pessoas inteligentes e criativas o que despertou minha inteligência guardada a sete chaves dentro da minha cabeça. Com essa banda toquei nos principais palcos da época, mas o apelido me seguia e eu já não via a necessidade dele existir. A banda se dissolveu com a chegada de uma nova era, todos partiram para algum lugar do mundo ou até mesmo para dentro de seus mundos e eu fiquei sozinho novamente, o sonho pra mim também tinha acabado.

Mas em 1998 uma grande virada tomou as rédeas da minha vida, por ser filho de batuqueira, aprendi a tocar “tambores” e assim comecei a tocar com amigos em barzinhos, na maioria das vezes no próprio bar Garagem Hermética. Toquei com amigos como Frank Jorge e Sergio Tavares. Esse fase só evoluiu quando recebi o convite para tocar na que seria a minha grande chance na música, o Da Guedes. Naquele mesmo ano fiz a trilha de um espetáculo de Nelson Rodrigues, o Boca de Ouro , que me mostrou o caminho do teatro, sem muito sucesso também. No ano seguinte, gravamos o nosso primeiro disco “Os cinco elementos” que teve uma ótima aceitação nacional. Viagens, mulheres e drogas marcaram a minha passagem pelo mundo do Hip Hop, mas grana que é bom, nada. Nesse mesmo período fui convidado a trabalhar com cinema, carregando objetos e puxando cabos. Trabalhei ali por muitos anos, e o maldito "Padeiro", sempre a minha volta.

Muitos podem pensar que eu tenho problemas com o meu apelido, mas o que eu não gosto é da maneira que ele conduziu a minha vida e por isso reivindico ser chamado pelo meu nome, claro que isso não vai acontecer, porque apelido pega justamente porque a gente não gosta.

Em 2001 abandonei a árdua tarefa de puxar cabos e montei um grupo chamado "Filhos de Jorge". Toquei por mais algum tempo e o apelido insistia em me perseguir.

Meu apelido só fez sentindo em 2005 quando, com a ajuda de grandes amigos como Jubasan e Dimitri Lucho, consegui fazer meu primeiro piloto para a Tv, o programa Urbanos, exibido pela Ulbra Tv. O apelido "Padeiro", só ganhou força com esse grande momento profissional da minha vida. Outro programa de humor que fiz em parceria com outro cara de apelido engraçado Luis Gustavo, o Bivis, onde formávamos a dupla do programa Mistura Fina, marcou tanto a mente dos gaúchos que até hoje me chamam de Padeiro na rua. Com a minha saída do programa e da Ulbra Tv, vi minha vida se desmoronar. Passei por outras emissoras como a Tv Cristal onde dirigi programas da terceira idade e programas de debate, mas foi o programa Domingueira que fiz com outros grandes amigos Felipe do Santos, Lucas Luz, Gabriel Lagoas, Leandro Bandeira e Socrátes Ribeiro, que se destacou. Infelizmente a emissora era dominada por um maluco e o programa apesar do sucesso, saiu do ar. Foi nesse período que conheci a família Pedro, que com o programa Algo Mais, me levou a Tv Pampa. Lá fazia matéria e editava. Fiquei por ali algum tempo e também sai. Três anos mais tarde voltei a fazer o Mistura Fina, mas desta vez já não havia a hegemonia da época de ouro, o que fez o programa acabar em quatro meses. Junto com o fim do programa veio o fim do meu terceiro casamento e assim uma nova reformulação na minha vida. Voltei a estudar e comecei a escrever coisas, o que sempre adorei fazer, mas tinha medo da aceitação do público e principalmente das críticas. Hoje busco uma vida nova, não há espaço para o passado, ele é apenas uma mera, às vezes grata, às vezes ingrata, lembrança. Minha literatura está sendo reconhecida por onde ela anda, meu nome está sendo reconhecido, meu apelido alimentou brincadeiras e bons momentos, mas agora é hora de crescer e acompanhar a minha evolução como ser humano, meu apelido se tornou um personagem e vai me acompanhar para sempre, ainda mais fazendo vídeos para marcas de roupas jovens como faço ainda hoje.

Tomei a liberdade de refazer meu blog e nele escrever com tranqüilidade as coisas que gosto e que aprecio, faço da literatura uma forma de expressar minhas opiniões e meus pensamentos. Contos e mini contos estão espalhados por esse portal mostrando quem sou e o que fui nessa vida. Muitos podem me malhar, como já o fizeram antes, mas Cesar Figueiredo, em 2010, enterrou de vez o Padeiro que nele existia. Por isso hoje tenho a grata satisfação de lhes informar: a morte do Padeiro.

8 comentários:

  1. po , baita história de vida e me sinto feliz em saber que fiz parte de um momento especial nela meu camarada

    seguimos fortes e juntos nessa luta a favor da vida, pois contra ela nãpo se pode lutar

    grande abraço e parabéns pelo baita cara que é

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  2. Agradeço a oportunidade de saber mais sobre os caminhos trilhados.

    Cesar Figueiredo, a morte pode significar "a mudança" necessária para que possamos evoluir mais. Para renascermos, é preciso morrer.

    Vai ter gente com saudade do Padeiro, mas vai ter gente querendo conhecer melhor e mais ainda o César.

    Belo texto, parabéns.

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  3. Grande Padeiro!

    Bom, primeiramente muitos parabéns pelo texto e pela volta a blogosfera.

    E mais parabéns ainda, pela tua linda história de vida. Sempre te acompanhei e respeitei tua história como fã, te acompanhando de longe.

    Depois que te conheci pessoalmente, passei a te admirar mais ainda, pelo teu carater, tua sinceridade, genialidade e pelos teus conselhos de pai.

    Abraços, e muito sucesso!

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  4. César!
    Nascer, renascer, morrer/reorganizar, voltar ao ciclo...
    Que morra o padeiro e o espaço seja do César agora.
    Prazer em ter te conhecido.
    Sorte e sucesso.
    Abraço.

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  5. Tá lindo moreco!!!
    Quero um dos contos, atuação, posso?
    Beijo na alma!

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  6. obrigada por eu fazer parte dessa história!

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  7. Muito bom o enterro do padeiro. Viva Cesar !

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